Qual é a sua?

sexta-feira, abril 25, 2008

Que Presente Te Dar

por Afonso Romano de Sant'Anna
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Que presente te dar, eu que tanto quero e pouco dou, porque mesquinho, egoísta, distraído não te cumulo daquilo que deveria cumular?
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Deveria desatar inúmeros presentes ao pé da árvore, entreabrindo jóias, tecidos requintados e pessoais objetos, ou deveria dar-te não o que posso buscar lá fora, mas o que, em mim, está fechado e mal sei desembrulhar?
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Gostaria de dar-te coisas naturais, feitas com a mão como fazem os camponeses, os artesãos, como faz a mulher que ama e prepara o Natal com seus dedos e receitas, adornos e atenções.
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Te dar, talvez, um pedaço de praia primitiva, como aquelas do Nordeste ou de antigamente - Búzios e Cabo Frio; um pedaço de mar das ilhas do Caribe, onde a água e o mar são transparentes e onde a areia é fina e brilhante e, sozinhos, habitam a eternidade e os amantes.
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Te dar um verso de canção um dia ouvida não sei mais onde, se numa tarde de chuva, se entre os lençóis cansados; um verso, uma canção ou talvez o puro som de um saxofone ao fim do dia, som que tem qualquer ciusa de promessa e melancolia.
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Fugir uma tarde contigo para os motéis, quando todos os homens se perdem nos papéis e esccritórios, números e tensões; fugir contigo para uma tarde assim, um espaço de amor entreaberto na peça que nos pega a burocracia dos gestos.
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Gravar numa fita as canções que me fazem lembrar de ti e ouví-las, ou tocar de algum modo em algum gravador as frases que em mim gravaste, frases líricas, precisas, que quando estou cinza, relembro e me iluminam.
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Te enviar todos os cartões que coleciono, de todos os lugares que conheço ou que tu nem imaginas; ir a essas paisagens e ilhas e habitá-las com palavras de intermitente paixão.
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Dar-te aquela casa de campo entre as montanhas, aquele amor entre a neblina, aquele espaço fora do mundo, fora dos outros espaços, sem telefone, sem estranhas ligações, para ali nos ligarmos um no outro em una e dupla solidão.
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Se queres jóias, te darei. Aqueles corais que vendem na Ponte Vecchia, em Florença; o âmbar ou as pérolas que expõem nas lojas do Havaí; aquelas pedras de vidro para iridescentes colares, que vendem em Atenas, ao pé da Plaka, ao pé da Acrópole, que amorosa nos contempla.
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Te dar uma viagem aos castelos do Loire, e sair comendo e rindo juntos no roteiro gastronômico franco italiano, ali comendo e aqueles vinhos bebendo, de tudo nos esquecendo, sobretudo dos remorsos tropicais de quem tem sempre ao lado um faminto desesperado de culpa nos ferindo.
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Te darei flores. Sempre planejei fazer isto. Tão simples: de manhã acordar displiscente e começar a colher flores sob a cama. Ir tirando buquês de rosas, margaridas, vasos de íris, orquídeas que estão desabrochando e uma a uma, de flores ir te cumulando. E amanhecendo dirás: o amado hoje está mel puro, seu amor aflorou e está me perfumando.
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Escrever bilhetes pela casa inteira, metê-los entre roupas, armários, prateleiras, para que na minha ausência comeces a descobrir recados daquele que nunca se ausentou, embora esse ar de quem vive partindo, mas se alguma vez partiu, partido foi para reunido regressar.
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Te dar um gesto simples. Passar a mão de repente sobre sua mão, como se apalpa a vida ou fruto que pode ser colhido.
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Te dar um olhar, não com aquele ar distraído, alienado de quem está de costas prosaicas perdido, mas um olhar de quem chegou inteiro e que se entrega enternecido e desamparado dizendo: olha, sou teu, agora veja lá o que vai fazer comigo.

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