Uma pessoa que compra uma máquina moderna de processar alimentos sabe exatamente o que quer: livrar-se do incômodo e do aborrecimento de ter de fazer tudo manualmente. E o que fará em seguida, depois que o incômodo tiver sido contornado? Seria injusto, acreditamos, pensar que se utilize tal máquina apenas para atrofiar as próprias habilidades motoras. (Evidentemente já existem máquinas que ajudam a recuperar capacidades que outras máquinas nos fizeram perder, como as esteiras elétricas que permitem praticar um tipo de exercício físico que o automóvel ou mesmo os processadores de alimentos nos dispensam de praticar, mas isto seria outro assunto.) A idéia é que o tempo economizado seja empregado em atividades mais interessantes ou até mesmo em nenhuma atividade. Neste caso, poderíamos pensar, numa hipótese ruim, que os desenvolvedores de tecnologia estão mesmo empenhados em nos colocar de frente para o tédio da vida. Se não for isso, ajudando-nos a poupar tempo, ajudam-nos a poupá-lo para que o empreguemos naquelas ocupações que realmente importam – as quais, por certo, não se reduzirão apenas a utilizar outras máquinas ou a gozar das comodidades que só essas máquinas proporcionam. Como se nos dissessem: “Agora que pouparam tempo, aprendam a utilizá-lo em alguma coisa”, nos dão uma espécie de responsabilidade didática diante da vida que só mesmo quem aprendeu a ganhar tempo com um processador de alimentos saberá o que é. Fazem-nos compreender que, muito mais do que passar o tempo inteiramente ocupados, podemos passá-lo oscilando entre ocupações ou tentando descobrir quais aquelas que nos interessam e que por sua vez nos obrigarão depois a encontrar algum modo de poupar tempo para nos dedicarmos a elas.
Evidentemente, um indivíduo que tiver de enfrentar uma boa fila em alguma agência bancária terá bastante tempo para pensar em tudo isso, a não ser que esteja por demais ocupado realizando cálculos mentais ou falando a um telefone celular. Neste ponto, as inovações tecnológicas revelam um de seus aspectos peculiares. Ao mesmo tempo em que nos propõem a possibilidade de sairmos à caça de uma felicidade cuja promessa é sempre renovada a cada novo mecanismo, processo ou simples avanço técnico que se põe à nossa disposição nas prateleiras de uma loja, têm também a capacidade de elidi-la sutilmente, lançando-a para diante como um balão de ar que se torna mais difícil de pegar quanto maior e mais cheio vai ficando. Impondo um novo tipo de relação da consciência com o tempo, forçam-nos sobretudo a descobrir que esse tempo se tornou cada vez mais impalpável, mais fluido e escorregadio, e que sem dúvida precisamos de muitas máquinas para mantê-lo sob controle. Nos dias de hoje, não é somente a novidade que importa, ou o problema que venha a resolver, mas a nossa capacidade de nos adaptarmos a ela, de a introduzirmos em nossas vidas. Podemos ficar indiferentes? Quem já tiver alguma vez pensado nessa possibilidade – da indiferença – terá experimentado a seguinte sensação: a de que ficamos para trás, de que somos logrados, de algum modo, em nosso mais que humano direito de participar. Brincar com aquele jogo eletrônico, correr naquele carro ou assistir a um filme qualquer naquele aparelho de televisão – quem se pode privar de tudo isso sem um sentimento de logro? Como crianças soltas num parque de diversões, que querem subir em todos os brinquedos e ser atiradas de cá para lá até mesmo naqueles mais apavorantes, não podemos ficar inertes. A necessidade e a urgência de agarrar uma nesga de tempo estarão sempre em nossos calcanhares – e serão tão mais prementes quanto mais fluido e esquivo for aquilo que se quiser agarrar.
Não estamos a propor que o melhor seria voltar aos fichários manuais ou às velhas máquinas de escrever, como fazem os nostálgicos dos bons tempos, dos quais não há razão nenhuma para sentir saudades. A nostalgia aqui significaria apenas rendição, e se trata de caminhar para diante, com a testa erguida e os olhos fixos no futuro, sem temer as surpresas. Por que ter medo do que só veio para ajudar? Ora, muita gente pensaria que, dadas as desvantagens de um mundo cada vez mais infestado de máquinas, o melhor seria ficarmos onde estamos, sem desejarmos mais do que já temos. Os mais pessimistas até diriam que não está distante o tempo em que, saturados de maquinismos e processos, nos tornaremos tão ineptos e ineficazes que teremos de conceder a eles – aos maquinismos – título de cidadania e carteira de identidade. Isso é tema para filmes de ficção científica. De nossa parte, pensaríamos apenas que, se o que a tecnologia nos tira está numa proporção direta com aquilo que nos dá, o medo do futuro não é senão um subproduto, que muito bem poderia ser tratado com remédios e ansiolíticos. Afinal, não está aí um vasto campo para pesquisas e espetaculares inovações com as quais ainda sequer chegamos a sonhar?
Um futuro em que realmente se poderia viver não deveria se anunciado apenas por coisas como antidepressivos, mas deveria suprir nossas ansiedades, resolvendo para nós problemas até hoje insolucionados, como o de saber qual a proporção real que existe entre o tempo gasto numa ligação telefônica e o custo dela, ou por que as comodidades do correio eletrônico trouxeram em seu rastro a proliferação da propaganda espúria, dos vírus de computador e das mensagens anônimas. Isso nos ajudaria a compreender que o tempo que a tecnologia nos ajuda a poupar é, de fato, um tempo que poupamos e, não, apenas, uma mera ficção. E ficaríamos confortados em pensar que, no fim, todo esse esforço da paciência, dos nervos e do cérebro valeu a pena. Seria um futuro em que o entusiasmo pela novidade traria, de fato, algum benefício para quem sempre – e honestamente – se entusiasmou com ela e por ela torceu.
Evidentemente, um indivíduo que tiver de enfrentar uma boa fila em alguma agência bancária terá bastante tempo para pensar em tudo isso, a não ser que esteja por demais ocupado realizando cálculos mentais ou falando a um telefone celular. Neste ponto, as inovações tecnológicas revelam um de seus aspectos peculiares. Ao mesmo tempo em que nos propõem a possibilidade de sairmos à caça de uma felicidade cuja promessa é sempre renovada a cada novo mecanismo, processo ou simples avanço técnico que se põe à nossa disposição nas prateleiras de uma loja, têm também a capacidade de elidi-la sutilmente, lançando-a para diante como um balão de ar que se torna mais difícil de pegar quanto maior e mais cheio vai ficando. Impondo um novo tipo de relação da consciência com o tempo, forçam-nos sobretudo a descobrir que esse tempo se tornou cada vez mais impalpável, mais fluido e escorregadio, e que sem dúvida precisamos de muitas máquinas para mantê-lo sob controle. Nos dias de hoje, não é somente a novidade que importa, ou o problema que venha a resolver, mas a nossa capacidade de nos adaptarmos a ela, de a introduzirmos em nossas vidas. Podemos ficar indiferentes? Quem já tiver alguma vez pensado nessa possibilidade – da indiferença – terá experimentado a seguinte sensação: a de que ficamos para trás, de que somos logrados, de algum modo, em nosso mais que humano direito de participar. Brincar com aquele jogo eletrônico, correr naquele carro ou assistir a um filme qualquer naquele aparelho de televisão – quem se pode privar de tudo isso sem um sentimento de logro? Como crianças soltas num parque de diversões, que querem subir em todos os brinquedos e ser atiradas de cá para lá até mesmo naqueles mais apavorantes, não podemos ficar inertes. A necessidade e a urgência de agarrar uma nesga de tempo estarão sempre em nossos calcanhares – e serão tão mais prementes quanto mais fluido e esquivo for aquilo que se quiser agarrar.
Não estamos a propor que o melhor seria voltar aos fichários manuais ou às velhas máquinas de escrever, como fazem os nostálgicos dos bons tempos, dos quais não há razão nenhuma para sentir saudades. A nostalgia aqui significaria apenas rendição, e se trata de caminhar para diante, com a testa erguida e os olhos fixos no futuro, sem temer as surpresas. Por que ter medo do que só veio para ajudar? Ora, muita gente pensaria que, dadas as desvantagens de um mundo cada vez mais infestado de máquinas, o melhor seria ficarmos onde estamos, sem desejarmos mais do que já temos. Os mais pessimistas até diriam que não está distante o tempo em que, saturados de maquinismos e processos, nos tornaremos tão ineptos e ineficazes que teremos de conceder a eles – aos maquinismos – título de cidadania e carteira de identidade. Isso é tema para filmes de ficção científica. De nossa parte, pensaríamos apenas que, se o que a tecnologia nos tira está numa proporção direta com aquilo que nos dá, o medo do futuro não é senão um subproduto, que muito bem poderia ser tratado com remédios e ansiolíticos. Afinal, não está aí um vasto campo para pesquisas e espetaculares inovações com as quais ainda sequer chegamos a sonhar?
Um futuro em que realmente se poderia viver não deveria se anunciado apenas por coisas como antidepressivos, mas deveria suprir nossas ansiedades, resolvendo para nós problemas até hoje insolucionados, como o de saber qual a proporção real que existe entre o tempo gasto numa ligação telefônica e o custo dela, ou por que as comodidades do correio eletrônico trouxeram em seu rastro a proliferação da propaganda espúria, dos vírus de computador e das mensagens anônimas. Isso nos ajudaria a compreender que o tempo que a tecnologia nos ajuda a poupar é, de fato, um tempo que poupamos e, não, apenas, uma mera ficção. E ficaríamos confortados em pensar que, no fim, todo esse esforço da paciência, dos nervos e do cérebro valeu a pena. Seria um futuro em que o entusiasmo pela novidade traria, de fato, algum benefício para quem sempre – e honestamente – se entusiasmou com ela e por ela torceu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário