Ninguém teria coragem de negar, hoje em dia, que os computadores são ferramentas de grande utilidade nas vidas das pessoas, mesmo daquelas que nunca viram um. E essa utilidade, ao que parece, não advém tanto dos serviços que eles prestam, mas dos que eles ainda podem vir a prestar, tais como resolver o transtorno das filas dos bancos ou dos supermercados, bem como outros transtornos que assombram a vida moderna e que, certamente, algumas cabeças já andarão por aí preocupadas em resolver. Se esses transtornos só existem porque existem os computadores ou qualquer outra coisa que necessite deles para funcionar, isso é assunto para muito bate-boca. Para os entusiastas, não haveria que discutir: qualquer que seja o futuro do mundo, ele surge de um chip eletrônico e atravessa uma fibra óptica. Entretanto, se olharmos de perto, veremos que não é tão simples assim. O próprio fato de que existam chips eletrônicos e fibras ópticas já é motivo de grande aborrecimento, e não só porque muita gente não sabe ainda o que é isso, mas porque um dia teremos de aprender ou, pelo menos, teremos de tropeçar neles – nos chips e nas fibras ópticas – em algum momento de nossas vidas, sendo os resultados de tal tropeção (que pode vir a ser uma cabeçada, a depender do modo como se tente passar) bastante imprevisíveis. Podemos imaginar, ao menos, que sobreviveremos ao confronto – se é que se trata de um?
Muita gente dorme tranqüila, calculando que, qualquer que seja a época em que tenhamos de nos haver com semelhantes maravilhas, essa época está distante o suficiente para ainda permitir uma boa noite de sono. Só aqueles que não podem ir para a cama sem antes terem resolvido em seus cérebros todas as questões – mesmo as que não têm solução – é que se preocupam. Para esses, o futuro (qualquer que seja ele) já está à porta, a bater e a pedir passagem, como se diz na linguagem da propaganda. Se os computadores existem – podemos pensar – e se existem pessoas que usam computadores, então alguma coisa de muito preocupante deve estar a caminho. Basta ir a um banco, para se ter uma idéia. Quem nunca teve oportunidade de ver alguém se atrapalhar todo diante de uma daquelas máquinas que os bancos deixam à disposição das pessoas, para que realizem tarefas de interesse pessoal que, antigamente, havia sempre um funcionário para realizar por elas? Então, pelo menos nesse setor, uma conclusão bastante exata se poderia tirar. Ali onde a tecnologia se insinuou para resolver um problema da vida diária, um novo problema surgiu. E as filas em que antigamente se tinha de gastar o tempo até que o funcionário consultasse fichários e fizesse anotações em papeletas hoje se transformaram em filas em que se tem de aguardar até que o funcionário digite imensos códigos diante de uma tela de computador, que parece capaz de prover tudo menos velocidade, acrescidas de filas em que se tem de aguardar até que as pessoas comecem a entender o que quer que seja a lógica das máquinas ou, o que é um triste consolo, até que desistam e cedam seu lugar ao próximo interessado. Em todos os casos, como em certas leis da ciência, o volume de problemas cresce numa proporção direta com o das soluções, num equilíbrio perfeito, enquanto continuamos a patinar (nós também) numa esperança feliz de que isso um dia venha a ser diferente.
Houve um tempo em que as coisas não eram assim. Viagens, por exemplo, fosse de uma cidade para a outra dentro de um mesmo país ou de um país para o país vizinho, tinham de ser feitas com paciência e planejadas com alguma antecipação. Usava-se até, para expressar o fastio e o longo desconforto dessas aventuras, a expressão “em lombo de cavalo”, que já dizia tudo a respeito de viajar naqueles tempos. Atravessar o país em lombo de cavalo (ou de outros bichos da mesma família) tomava o aspecto de uma experiência mística: quem se dispunha a fazê-lo precisaria ter consciência daquilo em que estava se metendo, porque uma vez começada a viagem tão cedo não haveria como terminá-la. Comparadas às facilidades atuais, essas verdadeiras jornadas (expressão que as define bem, embora imperfeitamente) chegam a nos parecer coisa de sonho. E mal podemos imaginar que, para conquistar os seus impérios, um César ou um Alexandre tiveram de o fazer em lombo de cavalo. De Roma aos cafundós da Gália, ou de Atenas às fímbrias do deserto da Mongólia? Não havia outro modo – e dizem que Gengis Khan até dormia sobre o lombo do seu. Eram tempos, também, em que a paciência parecia ser tanto maior e mais bem distribuída quanto maiores fossem as distâncias a atravessar, e ninguém jamais sonharia em ir de Londres a Constantinopla em menos de vinte e quatro horas. Vivia-se melhor dessa maneira? Provavelmente não, mas pelo menos havia mais tempo para apreciar a paisagem, o que não é possível nos nossos dias, a não ser muito imperfeitamente, espiando da janela de um avião ou de um automóvel, como quem procura a barraca de cebolas enquanto a feira vai sendo desmontada. Se antigamente, antes de percorrer os dois mil quilômetros que separam duas cidades, um indivíduo tinha de saber muito bem o que estava indo fazer em seu lugar de destino, hoje é possível sair pela manhã, não fazer nada lá ou mudar de idéia e ainda retornar para o almoço. Cresceram as vantagens? De certo modo, pelo menos neste aspecto, a tecnologia traz uma vantagem que ninguém negará: as facilidades de locomoção proporcionam mais tempo livre para quem viaja – tempo que pode ser empregado planejando outras viagens, conforme também acontece em outros setores da vida.
Muita gente dorme tranqüila, calculando que, qualquer que seja a época em que tenhamos de nos haver com semelhantes maravilhas, essa época está distante o suficiente para ainda permitir uma boa noite de sono. Só aqueles que não podem ir para a cama sem antes terem resolvido em seus cérebros todas as questões – mesmo as que não têm solução – é que se preocupam. Para esses, o futuro (qualquer que seja ele) já está à porta, a bater e a pedir passagem, como se diz na linguagem da propaganda. Se os computadores existem – podemos pensar – e se existem pessoas que usam computadores, então alguma coisa de muito preocupante deve estar a caminho. Basta ir a um banco, para se ter uma idéia. Quem nunca teve oportunidade de ver alguém se atrapalhar todo diante de uma daquelas máquinas que os bancos deixam à disposição das pessoas, para que realizem tarefas de interesse pessoal que, antigamente, havia sempre um funcionário para realizar por elas? Então, pelo menos nesse setor, uma conclusão bastante exata se poderia tirar. Ali onde a tecnologia se insinuou para resolver um problema da vida diária, um novo problema surgiu. E as filas em que antigamente se tinha de gastar o tempo até que o funcionário consultasse fichários e fizesse anotações em papeletas hoje se transformaram em filas em que se tem de aguardar até que o funcionário digite imensos códigos diante de uma tela de computador, que parece capaz de prover tudo menos velocidade, acrescidas de filas em que se tem de aguardar até que as pessoas comecem a entender o que quer que seja a lógica das máquinas ou, o que é um triste consolo, até que desistam e cedam seu lugar ao próximo interessado. Em todos os casos, como em certas leis da ciência, o volume de problemas cresce numa proporção direta com o das soluções, num equilíbrio perfeito, enquanto continuamos a patinar (nós também) numa esperança feliz de que isso um dia venha a ser diferente.
Houve um tempo em que as coisas não eram assim. Viagens, por exemplo, fosse de uma cidade para a outra dentro de um mesmo país ou de um país para o país vizinho, tinham de ser feitas com paciência e planejadas com alguma antecipação. Usava-se até, para expressar o fastio e o longo desconforto dessas aventuras, a expressão “em lombo de cavalo”, que já dizia tudo a respeito de viajar naqueles tempos. Atravessar o país em lombo de cavalo (ou de outros bichos da mesma família) tomava o aspecto de uma experiência mística: quem se dispunha a fazê-lo precisaria ter consciência daquilo em que estava se metendo, porque uma vez começada a viagem tão cedo não haveria como terminá-la. Comparadas às facilidades atuais, essas verdadeiras jornadas (expressão que as define bem, embora imperfeitamente) chegam a nos parecer coisa de sonho. E mal podemos imaginar que, para conquistar os seus impérios, um César ou um Alexandre tiveram de o fazer em lombo de cavalo. De Roma aos cafundós da Gália, ou de Atenas às fímbrias do deserto da Mongólia? Não havia outro modo – e dizem que Gengis Khan até dormia sobre o lombo do seu. Eram tempos, também, em que a paciência parecia ser tanto maior e mais bem distribuída quanto maiores fossem as distâncias a atravessar, e ninguém jamais sonharia em ir de Londres a Constantinopla em menos de vinte e quatro horas. Vivia-se melhor dessa maneira? Provavelmente não, mas pelo menos havia mais tempo para apreciar a paisagem, o que não é possível nos nossos dias, a não ser muito imperfeitamente, espiando da janela de um avião ou de um automóvel, como quem procura a barraca de cebolas enquanto a feira vai sendo desmontada. Se antigamente, antes de percorrer os dois mil quilômetros que separam duas cidades, um indivíduo tinha de saber muito bem o que estava indo fazer em seu lugar de destino, hoje é possível sair pela manhã, não fazer nada lá ou mudar de idéia e ainda retornar para o almoço. Cresceram as vantagens? De certo modo, pelo menos neste aspecto, a tecnologia traz uma vantagem que ninguém negará: as facilidades de locomoção proporcionam mais tempo livre para quem viaja – tempo que pode ser empregado planejando outras viagens, conforme também acontece em outros setores da vida.
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